Num primeiro momento, é provável que nosso impulso seja a compaixão – afinal se nos colocássemos em seu lugar, sentiríamos autopiedade. No entanto, como observadores, perguntamo-nos porque ele chegou a esse ponto?
Quem é vilão e quem é vítima? Diante de momentos dolorosos, cuja saída parece-nos impossível, imobilizamo-nos, sentimo-nos atados e impotentes. O Enforcado oferece-nos a libertação, sugerindo-nos rever a situação, questionar a real origem dessa imobilidade ou sujeição e refletir sobre o fato de que, muitas vezes, um aprendizado genuíno demanda a aceitação e certos abandonos, em prol da conquista da autonomia e de uma evolução verdadeira.
Traduzindo pela própria imagem acima, a verdade é que, admitir a imobilidade, aceitar sua limitação e lidar com sua realidade presente; no fundo ocorre,pois ele “quer porque quer” seguir a qualquer preço.
O arcano XII ensina que, enquanto não olharmos para nós mesmos com honestidade, aí permaneceremos, eternamente paralizados e culpando a outros pelo nosso infortúnio, quando bastaria apenas admitir o passo em falso que demos lá atrás e então abrir mão do que não nos serve mais e que, quase sempre, na realidade nunca nos serviu verdadeiramente, o apego.
O Caminho d’a Morte –>Uma paisagem fria e árida; tudo tão limpo, sem excessos; algo novo que se abre ao longe? Ainda não podemos ver bem.
Em geral, consideramos essas árvores como “mortas”, mas na verdade elas estão apenas hibernando, transformando-se e cumprindo um ciclo que se repete desde o princípio dos tempos. Portanto, certamente irão reviver quando esta fase estiver terminada. Ao contemplá-las, penso no quanto a vida flui mais facilmente para aquele que é capaz de acatar as etapas básicas da vida. Se pudermos reconhecer quando é hora de nos recolhermos, ao invés de lutar contra o inevitável, adiante poderemos renascer.
Uma coisa que chama a atenção é a ausência e, realmente, este é o caminho da limpeza, da liberação e da purificação. Momento de recolher-se e poupar energia e matéria, cortar os excessos e, mais importante, de olhar para a vida com olhos de realidade, sem enfeites, sem distrações. Afinal, imagine caminhar pela neve escorregadia, encarando um vento gelado, carregando pacotes agora sem utilidade, como as roupas de verão… Para trilhar este caminho, portanto, o herói deve deixar para trás tudo o que não tem aplicação no presente e tudo o que já terminou. Para isso, deve, antes, refletir calmamente, enxergar o que já cumpriu seu tempo e então aceitar que tudo tem começo, meio e fim, pois só assim realmente alcançará a compreensão de que todo fim também implica, automaticamente, em novo começo. E muitas vezes esse recomeço acontece com os mesmos companheiros de jornada, só que agora com a visão que a cada dia é necessário “orar e vigiar” para que não caiamos nos mesmos enganos do passado.
A vereda da Temperança –>A primeira sensação que esta imagem passa é a de ausência de movimento. Em seguida percebemos que é um corredor, ou seja: algo que liga um ambiente a outro. Assim, o próprio corredor é como uma pausa entre os momentos. A luz que vemos refletida no chão lembra-nos que há um mundo lá fora ao qual podemos ir, passando pelos compartimentos, até chegarmos à saída. Este local parece, portanto, um intervalo ou refúgio temporário.
O local é protegido, tranquilo, limpo, pacífico, como se favorecesse a busca do equilíbrio: para cada mobília à direita, há um equivalente à esquerda. Quadros, bancos, arcos – todos tem sua contraparte. Ao mesmo tempo, a ausência de qualquer olhar estranho ou censor, oferece espaço para a expressão pessoal; talvez a apreciação ou produção da arte que vemos nos quadros, dançar, refletir, devanear ou apenas brincar.
Se a entendermos como uma imobilização forçada, viveremos apenas a angústia da impotência, mas se a percebermos como pausa necessária à reenergização, a Temperança tornar-se-á um espaço temporal sagrado, fundamental para o fortalecimento do herói. Assim, ela deixa de ser a imobilidade que alguns entendem como marasmo e transforma-se em preparação ou impulso potencial para que reenergizados possamos sair vitoriosos de nossas demandas.
O Diabo –> Aqui, o caminho é feito pelos desenhos que o vento faz na areia, ou seja: é o caminho traçado pela natureza e, portanto, pelo que consideramos que abrange o misterioso.
Um homem contempla o sol do deserto e o movimento de suas roupas parece fundir-se ao ondular da areia. Por isso e por sua atitude tranquila, podemos deduzir que este lhe é um mundo familiar, conhecido. Não é um turista, nem estrangeiro, sua figura firme e sua veste impecável revelam alguém com acesso ao conhecimento, tanto trivial, quanto espiritual, ou alguém que conhece seu poder pessoal.
Embora tranquilo em seu momento meditativo, os apelos da água, à esquerda, parecem chamá-lo, suave, mas constantemente, e até mesmo as ondas na areia insidiosamente parecem apontar para lá (mas também pode ser que tentem dizer exatamente o contrário?…). Como tentações, as águas oferecem refúgio e frescor, algo tanto mais atraente pelo que sua realidade, sentado lá fora, não tem, e o interior das piscinas naturais sugere possibilidades infinitas. Naturalmente, algumas serão ilusórias, outras passageiras e, embora poucas, uma ou outra efetivamente relevantes. A ponderação dos preços a pagar, ou, como se diz hoje em dia, sobre a relação custo X benefício, parece impor-se, e a astúcia do herói será decisiva nas suas escolhas. Desenvolver essa astúcia, na verdade, implicará na sua capacidade de autodefesa.
O Diabo aparece como um sofisticado guia terreno, pois ao mesmo tempo em que nos aponta as hipóteses que podem nos desviar do caminho, intensifica o mundo das sensações corpóreas, justamente por isso conectando-nos com o momento presente e concreto, como poucos caminhos nos levam a fazer tão palpavelmente. Aprender a discernir a validade de cada passo, dentre os que ele apresenta, é aprender a ouvir a voz da alma e, assim, ser capaz de trafegar entre matéria, mente e espírito, sem perder o foco.
Adaptado: El Tarot Luminar
By Rosi Guimarães